O lucro está sob a sombra

Estudos nacionais evidenciam como conforto térmico que se converte em desempenho
site

Na escola aprendemos que o Brasil é um país tropical e isso é um fato incontestável.

Essa condição climática, que se intensifica nos meses de verão, atinge principalmente as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste, áreas que concentram o maior volume de gado de corte do país, especialmente em sistemas de confinamento.

Para o pecuarista, o calor em excesso não é apenas uma questão de bem-estar animal; ele se traduz diretamente em uma queda no desempenho produtivo e, consequentemente, afeta as margens de lucro da propriedade. Diante deste cenário, a busca por soluções de conforto térmico que minimizem os efeitos da radiação solar torna-se crucial.

Embora o sombreamento seja um consenso para a melhoria do bem-estar bovino, sua adoção na prática ainda é modesta.

Dados recentes do Confina Brasil 2025, em parceria com a Solpack, confirmam essa realidade: dos 184 confinamentos mapeados, apenas 26,0% possuem algum tipo de estrutura de sombreamento (7,7% totalmente cobertos e 18,2% parcialmente cobertos).

Essa baixa taxa de adoção está intimamente ligada à dificuldade de mensurar os ganhos diretos em desempenho e o retorno econômico. Para preencher essa lacuna e demonstrar como o conforto térmico se converte em produtividade e rentabilidade, o presente artigo apresenta dois estudos recentes que aprofundam a relação entre sombreamento, desempenho zootécnico e eficiência no uso de recursos na pecuária.

Impacto no conforto térmico e desempenho

Um estudo publicado em janeiro de 2023 pela editora Frontiers, conduzido por pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e África do Sul, trouxe evidências sólidas sobre os efeitos do sombreamento no desempenho e no bem-estar de bovinos confinados.

A pesquisa avaliou 800 animais da raça Bos indicus × Bos taurus em lotes cobertos por telhados de aço galvanizado, instalados de forma a otimizar o deslocamento da sombra ao longo do dia.

De acordo com Maia et al. (2023), os bovinos mantidos sob sombra apresentaram temperatura corporal mais baixa, menor estresse térmico, melhor conversão alimentar e ganho médio diário superior aos dos animais expostos ao sol direto.

No final dos 137 dias de confinamento, o peso de carcaça quente foi, em média, 8 kg maior nos animais com acesso à sombra.

A resposta variou conforme o fenótipo: entre os Nelore a diferença média foi de 5 kg, enquanto nos cruzamentos Angus × Nelore chegou a 15 kg, indicando que raças menos tolerantes ao calor se beneficiam mais do sombreamento.

Outro destaque foi a redução no consumo de água: cerca de 3,4 litros por animal por dia.

Considerando a média nacional de 106,7 dias de confinamento (Confina Brasil 2025), a economia total seria de 362,8 litros de água por bovino, o equivalente a 1,8 milhão de litros se considerarmos um confinamento com 5 mil cabeças. Para efeito de comparação, segundo o Ministério das Cidades (2021), um brasileiro consome, em média, 150,7 litros de água por dia, ou seja, essa economia seria suficiente para abastecer, por um dia, uma cidade com cerca de 12 mil habitantes. Esses resultados mostram que estruturas bem planejadas de sombreamento não apenas promovem conforto térmico, mas também melhoram o desempenho produtivo e a eficiência hídrica dentro dos sistemas intensivos.

Sustentabilidade e eficiência no uso de recursos

A Embrapa Pecuária Sudeste, também parceira do Confina Brasil, buscou entender de que forma o sombreamento influencia a eficiência ambiental e nutricional dos confinamentos.

O estudo, publicado em 2023 na revista Science of The Total Environment, avaliou 48 touros Nelore divididos entre baias com e sem cobertura durante 85 dias.

Os pesquisadores utilizaram uma malha de alumínio termorreflexiva (com 78% a 83% de sombreamento e 32% de transmissão de luz difusa) e mediram indicadores de pegada hídrica, pegada de uso da terra e eficiência de nutrientes (nitrogênio e fósforo).

Em média, as pegadas hídrica e terrestre foram 3,0% e 7,0% menores, respectivamente, nos lotes com sombra.

Com a temperatura corporal mais estável, os animais comeram e converteram melhor, exigindo menos ração por quilo de ganho. Essa eficiência reduziu tanto o uso de água verde (das lavouras que produzem os insumos) quanto de água azul (do consumo direto dos bovinos).

O mesmo princípio explica a menor pegada terrestre: menor consumo de ração significa menor área agrícola necessária para produzir o alimento. Além disso, com menor gasto energético para regular a temperatura corporal, os bovinos aproveitam melhor os nutrientes, excretam menos e tornam o sistema mais eficiente e sustentável.

Em síntese, o sombreamento não apenas melhora o conforto e o desempenho, mas também reduz o consumo de recursos naturais.

Ponto de vista dos especialistas

Segundo Marcos Rodrigues, gerente comercial da Solpack, ao avaliar o custo-benefício da instalação de sombreamento, o produtor deve considerar os ganhos diretos em produtividade e bem-estar animal, além da qualidade e durabilidade dos materiais.

“Estruturas bem planejadas, com telas de sombreamento dotadas de proteção UV e alta resistência, criam um microclima mais ameno e estável. Isso reduz o estresse térmico e abre espaço para maior ganho de peso, melhor conversão alimentar e mais eficiência reprodutiva”, destaca.

Apesar dos resultados positivos, a adoção da prática ainda é limitada. Como vimos anteriormente, o levantamento do Confina Brasil em 2025 revelou que 74,0% dos confinamentos brasileiros ainda não utilizam estrutura de sombreamento nos currais de engorda.

Para Rodrigues, as principais barreiras à adoção do sombreamento ainda estão no custo inicial de instalação e na dificuldade de mensurar objetivamente os impactos sobre o desempenho dos bovinos. Segundo levantamento do Confina Brasil 2025, entre os entrevistados que possuem estruturas de sombra, 29,8% afirmaram não ter avaliado os resultados e 23,4% disseram não ter percebido diferenças significativas.

Ainda assim, entre as propriedades que adotam a prática, 42,6% relataram melhora no comportamento dos animais, sinal de que a redução do estresse térmico é o primeiro benefício perceptível. Outros 23,4% observaram aumento no ganho médio diário, 12,8% notaram redução na morbidade e 10,6% destacaram melhora na conversão alimentar.

Vale destacar que os participantes podiam indicar mais de uma percepção, por isso os percentuais não totalizam 100,0%.

No fim das contas, sombra e água fresca podem representar muito mais do que conforto: são sinônimos de produtividade, sustentabilidade e rentabilidade.

Fontes

Embrapa Pecuária Sudeste (2023). Sombra em confinamento melhora eficiência hídrica e nutricional

Maia, A.S.C. et al. (2023). Projeto de sombra economicamente sustentável para bovinos confinados. Frontiers in Veterinary Science, 10:1110671. DOI: 10.3389/fvets.2023.1110671

Histórias relacionadas